por Alexandro Guirão
O CFM – Conselho Federal de Medicina, recentemente, divulgou a aprovação da Resolução 2.386/2024, que “Normatiza procedimentos e regras em relação a vínculos de médico com indústrias farmacêuticas, de insumos da área da saúde e equipamentos médicos”, fortalecendo a cultura de ética médica. Segundo a norma, é obrigação do médico informar os RELACIONAMENTOS QUE ELE POSSUA COM EMPRESAS DE PRODUTOS PARA SAÚDE.
Os vínculos que devem ser divulgados ficam caracterizados quando o médico (art. 3º da Resolução 2.386/2024):
- for contratado formalmente para desenvolver ocupação ligada às empresas do segmento de saúde;
- prestar serviço ocasional e/ou remunerado às empresas;
- realizar ou participar de pesquisa, desenvolvimento de fármaco, materiais, produtos ou equipamentos de uso médico;
- for contratado ou convidado a fazer divulgação de produtos;
- ministrar palestras.
O assunto não é novo. A Resolução do CREMESP nº 273, de 03 de fevereiro de 2015, em seu artigo 2º, estabelece que os critérios norteadores da relação dos médicos com as indústrias de órteses, prótese, materiais especiais e medicamentos, já determinava que o médico considerado referência em sua área de atuação, contratado na condição de consultor ou divulgador (speaker) ou a serviço de empresas farmacêutica, de órteses, próteses e de materiais, deveria informar por escrito ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo o tempo em que atuará nessa condição, bem como o nome da(s) empresa(s) em favor de quem prestaria seus serviços.
A novidade está em que, a partir de março de 2025 (180 dias da publicação da Resolução, que se deu e 02/09/2024), os relacionamentos deverão ser DIVULGADOS EM SITE DA INTERNET DISPONIBILIZADO PELO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA A QUE O MÉDICO ESTEJA VINCULADO.
A ideia da referida Resolução é conferir um novo parâmetro de TRANSPARÊNCIA na relação entre médicos e a indústria da saúde. A medida não visa interferir na autonomia dos profissionais. Porém, tem por objetivo garantir que as decisões médicas sejam guiadas exclusivamente pelo melhor interesse do paciente e da medicina, qualidade dos produtos e tratamentos. Os incentivos financeiros não devem ser o motor propulsor das indicações de produtos ou serviços da indústria para as quais o médico presta alguma espécie de serviço.
Para atingir esse objetivo, o art. 6º da Resolução 2.386/2024 determina que o médico deverá declarar esses vínculos, também, quando der uma entrevista, participar de um debate ou de qualquer atividade de exposição ao público em geral.
Na exposição de motivos da Resolução, o Conselheiro Relator, responsável pela redação da norma, Raphael Câmara Medeiros Parente, afirma que “O poder do marketing influencia a relação entre profissionais de saúde e indústrias, o que pode interferir em políticas de saúde, pressionando aquisição de medicamentos e outros materiais…”, concluindo que a Resolução se presta à “orientação ética da relação dos médicos com a indústria sem interferência em sua autonomia e na melhor assistência a pacientes”.
O Conselheiro ainda relembra que, norma semelhante existe nos Estados Unidos desde 2010 e é conhecida no mercado de saúde como Sunshine Act (Section 6002 da Public Law 111-148, de 23 de março de 2010).
Aqui no Brasil, uma iniciativa semelhante e até mais abrangente no Estado de Minas Gerais (conhecida como Sunshine Act mineira) determina que empresas do setor de saúde deverão comunicar a Secretaria de Estado de Saúde – SES de Minas Gerais, qualquer tipo de benefício ou doação, tais como brindes, passagens, inscrições em eventos, hospedagens, financiamento de etapas de pesquisa, consultoria e palestras, oferecidos para profissionais de saúde com registro em conselho de classe, bem como para seus familiares, acompanhantes e pessoas convidadas (Lei Estadual MG nº 22.440 de 21/12/2016, regulamentada pelo Decreto nº 47.334/2017).
Portanto, a contratação de médicos para qualquer atividade em favor das empresas do setor de saúde deve ser norteada por referidas normas. Elas definem um modelo de comportamento que pode influenciar a decisão dos médicos, afastando-os dos seus deveres éticos e profissionais, em troca das vantagens pessoais que lhe são oferecidas.
Apesar de se tratar de uma norma regulatória da profissão, os profissionais médicos devem ser lembrados pela indústria de que devem cumprir a determinação do Conselho, dando transparência para o relacionamento com as empresas que o remuneram. As áreas de Compliance das empresas de saúde devem se atentar para essa norma, sendo parte interessada de forma direta no seu cumprimento, para evitar problemas reputacionais por falta de transparência.
Uma atenção especial deve ser dedicada aos novos formatos de contratação de médicos para promoção de produtos médicos, por meio das REDES SOCIAIS.
Isso porque a Resolução CFM nº 2.336/2023 que dispõe sobre publicidade médica, trata das divulgações de profissionais médicos em suas redes sociais, assim consideradas: sites, blogs, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp, Telegram, Sygnal, TikTok, LinkedIn, Threads e quaisquer outros meios similares que vierem a ser criados. As técnicas de Marketing Digital ou de Marketing de Influência estão na mira do Conselho.
As postagens que caracterizarem publicidade só podem ter por objetivo a formação, ampliação ou manutenção de clientela do próprio médico, bem como prestar informações para a sociedade (§ 2º do artigo 8º). Por essa mesma razão, já nessa norma, o CFM determina que os conflitos de interesse com as empresas que os contratem devem ser declarados pelos médicos (art. 10, § 2º).
A resolução também proíbe o recebimento de benefícios relacionados a medicamentos, órteses, próteses e equipamentos hospitalares que não estejam registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo nos casos de protocolos de pesquisas aprovados por Comitês de Ética. Médicos que descumprirem as exigências da resolução poderão ser alvo de sanções por parte dos CRMs.
Os posts nessas redes, envolvendo produtos e serviços de empresas que contrataram o médico para referida divulgação (marketing de influência), portanto, devem deixar claro que se trata de publicidade, como forma de não influenciar indevidamente a aquisição de produtos e serviços.
Voltando a falar, agora, da Resolução nº 2.386/2024, não será necessário dar transparência para relacionamentos oriundos de investimentos em ações ou cotas de participação em empresas do setor de saúde, desde que a relação seja puramente financeira. Recebimento de amostras grátis de medicamentos ou produtos médicos, prática comum no setor, também estão isentos das obrigações de declaração, desde que sejam distribuídas conforme as normativas vigentes e dentro de práticas éticas. Benefícios recebidos por sociedades científicas e entidades médicas também estão excluídos das regras de transparência impostas aos indivíduos.
Os médicos que já possuem vínculos com empresas de saúde terão um prazo de 60 (sessenta) dias para informar qualquer benefício recebido após a entrada em vigor da resolução.
Em conclusão, é importante conciliar os interesses comerciais das empresas com o dever ético da profissão do médico, garantindo sua autonomia e, principalmente, a atenção e respeito ao maior interessado nos serviços desses profissionais: o PACIENTE. As empresas do setor de saúde devem agir com cautela e responsabilidade, portanto, na contratação de profissionais médicos para divulgação de seus produtos ou serviços.
Fonte disponível em: LEC | Novas Regras De Transparência Dos Relacionamentos Entre Médicos E Fornecedores De Produtos Médicos
Alexandro Guirão é Advogado, professor e consultor de compliance.
* A opinião manifestada é de responsabilidade dos autores e não é, necessariamente, a opinião do IES