Por Vinicius Bertoldi
Comemora-se no dia 18 de setembro o Dia Mundial da Ética Médica, referência ao dia 18 de setembro de 1947, quando ocorreu a primeira Assembleia da Associação Médica Mundial, em Helsinque, na Finlândia. O objetivo era solidificar a ética na medicina após a Segunda Guerra Mundial, um período marcado por atrocidades contra a raça humana.
Desde os primórdios da sociedade, o ser humano sempre necessitou de “limites” para manter uma organização social harmônica, baseando-se primariamente nos costumes daqueles que a compunham, depois por princípios de moralidade, até chegarmos nas leis. De qualquer forma, essa relação de costumes, moral e leis, regem a convivência humana até os dias de hoje. Nesse meio, pode-se dizer que surge a ética, do grego Ethos, raiz da palavra ethikos, que significa moralidade, demonstração de caráter. Filosoficamente, a ética procura estabelecer a maneira de como agir e viver num determinado contexto social, tanto que para Platão a ética é quando o indivíduo deixa a parte racional de sua alma falar mais alto, atingindo o autocontrole, a capacidade de viver e causar o bem, preterindo as emoções, os prazeres e os valores materiais.
Na medicina, não foi muito diferente. Desde o início, houve a necessidade de limites. Claro que a prática da medicina e a ética estavam muito atreladas a religiosidade, assim a crença e seus valores sobrepunham-se e guiavam as práticas médicas. Com o tempo, houve mudanças nessa percepção, tornando as práticas médicas e a ética mais laicas, distanciando aquelas da religião, principalmente a partir dos grandes filósofos gregos. Surge, nesse contexto, o que consideramos o primeiro Código de Ética Médica: o juramento hipocrático, atribuído ao médico grego Hipócrates (460-375 a.C.). Tal documento trazia ainda elementos religiosos como a invocação dos deuses, mas também deveres e proibições aos médicos, com o objetivo de proporcionar não só uma boa reputação, mas também boas práticas no exercício da medicina: “conservarei pura e santa minha vida e minha arte”.
Observando essa preocupação social e ética de outros filósofos como Platão e Aristóteles, na medicina, percebemos a enorme influência desses sobre o código de ética que temos hoje. Transcrevo um trecho bem característico de Platão, que revela essa preocupação não só filosófica, mas também humana e social: “nenhum médico, exercendo o seu ofício, considera preferencialmente o seu bem no que prescreve, mas o do paciente; para o médico verdadeiro é também uma regra ter o corpo humano como sujeito e não como um meio de ganhar mais dinheiro”.
Óbvio que haveria e houve uma evolução constante e natural em relação às características e preocupações da ética na prática médica, acompanhando, de certa forma, o desenvolvimento cada vez maior da medicina; já na idade moderna nos deparamos com Thomas Percival , autor de um livro de ética médica na Inglaterra em 1803, considerado o primeiro Código de Ética Médica da idade moderna, servindo como modelo, inclusive, para a Associação Médica Americana criar seu próprio código de ética, primeiro até então, de uma entidade nacional, em 1847.
No Brasil, as preocupações éticas na medicina demoraram a surgir, apenas em 1929, no boletim do Sindicato Médico Brasileiro, publicam-se normas disciplinando as condutas éticas no Brasil, porém ainda sem respaldo jurídico. Apenas em 1944, após o IV Congresso Médico Sindicalista criamos um código reconhecido pelas entidades governamentais. Alguns outros documentos foram criados até 1988, mas é neste ano que se criou o modelo de código base utilizado até hoje, baseado nos princípios da redemocratização. Claramente por motivos de evolução tecnológica, de tratamentos e condutas, o código foi aperfeiçoado até a sua última versão pelo CFM em 27/09/2018.
O Código de Ética Médica destina-se a orientar a postura do médico perante sua atividade real e concreta, de forma a gerar relacionamento não danoso a pacientes, outros colegas e terceiros, principalmente diante de situação difíceis, limítrofes e muitas vezes custosas em se perceber um real efeito dessa prática. O Código de Ética não é código penal para médicos, mas uma maneira de tornar o próprio exercício da profissão mais prazeroso e, acima de tudo, preservando a vida e os direitos fundamentais do ser humano. Evolução técnica e científica não pode ser em nenhuma hipótese, motivo de má conduta ética, cabendo ao médico estar acima de qualquer viés moral.
Mais do que um assunto etéreo ou filosófico, a ética tem de ser cultivada, difundida e desenvolvida, como uma arte em toda sua forma, assim como a parte técnica.
Constante atualização a novas demandas sociais e uma rigorosa vigilância devem ser sempre mantidas quando se trata de conduta ética.
Sabemos quão difícil, num mundo cada vez mais corruptível, amoral, falarmos em ética, caráter, mas creio da forma mais profunda que estes elementos e a honestidade podem se manter firmes, mesmo ilhados, sem nenhuma forma de reciprocidade ou equivalência; situação essa que nem o amor, uma das formas mais belas e poderosas de sentimento, consegue.
Vinicius Bertoldi é Vice-diretor de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP)
* A opinião manifestada é de responsabilidade do autor e não é, necessariamente, a opinião do IES