Por Antônio Fonseca
O Ministério da Educação reuniu, no começo de abril deste ano, representantes estaduais e municipais para promover ações contra a violência nas escolas. Ao final do encontro, a Pasta anunciou que as medidas têm como foco a prevenção. Por que as escolas não têm aderido à prática de programa de ética e compliance para prevenir toda sorte de disfunção? Os mecanismos da governança e compliance nas escolas oferecem caminhos que orientam a gestão coletiva e controle de riscos de todos os tipos de violência e impropriedades em geral, além de qualificar entregas institucionais mais adequadas à clientela de educandos e suas famílias.
O que é compliance e sua importância na educação básica? O programa estruturado nos termos do Decreto 11.129, de 2022, consiste em um “conjunto de mecanismos e procedimentos internos”, inclusive código de ética e de conduta, políticas e diretrizes. A base legal é reforçada pelo Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying), da Lei 13.185, de 2015. A sua estruturação deve atender as características e os riscos atuais da atividade. A efetividade do programa depende da ampla adesão da governança, definida pela alta direção da pessoa jurídica e com poio dos seus conselhos, além de envolver os gestores educacionais. Destacam-se alguns elementos que revelam a importância de governança e compliance nas escolas de educação básica.
Gestão democrática nas escolas. Educação Básica é estruturada por etapas (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). Existem também as modalidades, que são Educação Escolar Indígena, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo e Educação Profissional. O desenvolvimento de entregas dos estabelecimentos é orientado pela gestão democrática, um valor previsto na lei e nos regulamentos que estabelecem como dever da escola articular-se com as famílias e a comunidade. Como processo contínuo, a gestão democrática e participativa propicia o aproveitamento da experiência extraescolar e o envolvimento de todos os interessados nas discussões e tomadas de decisão; é um meio sadio que favorece as funções da escola, a inspirar comportamentos baseados em valores democráticos e convivência participativa. (Guia CNMP, p. 46). Nos estabelecimentos públicos, a gestão democrática, caracterizada pela participação da comunidade escolar, é objeto da Meta 19 (PNE, p. 315).
A bandeira da Lei de Diretrizes e Bases e as tecnologias de Inteligência Artificial. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L. 9.394, de 1996) projeta as funções das escolas de educação básica fundada no tripé (i) desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo em vista o acesso ao conhecimento das ciências; (ii) compreensão do ambiente natural, social e político, tendo em vista os fundamentos da sociedade; (iii) desenvolvimento das habilidades comportamentais, tendo em vista a formação ética, construção de atitudes e compreensão dos valores, tais como, vínculos de família, solidariedade humana e de tolerância recíproca. A ênfase nesses três vetores é um desafio permanente da escola, que assume com a família um papel ímpar na vida do educando. Essas diretrizes deverão se adaptar à evolução tecnológica. Crianças e adolescentes passam boa parte do dia olhando para telas ou em frente delas. Essa prática, que aumentou significativamente durante o período da pandemia da COVID-19, poderá ser redirecionada para melhoria das atividades de ensino e aprendizagem, aproveitando-se o potencial das tecnologias de Inteligência Artificial, machine learning (ML) e robóticas. A evolução dessas tecnologias impactará inevitavelmente as atividades de aprendizagem e de ensino, devendo a educação básica ser reinventada. A instância de compliance das escolas deverá acompanhar essa evolução e contribuir para endossar modelos algoritmos que favoreçam a neutralidade diante de padrões éticos.
Liderança ética na escola. Sabe-se que os líderes motivam seus subordinados e melhoram as suas atitudes e comportamentos. O líder transmite a sua experiência ética pelo exemplo, guiado pelo senso de profissionalismo e responsabilidade social. Líderes e seguidores colocam o bem comum acima dos interesses individuais. Fora do núcleo familiar, é nas escolas que os educandos têm a oportunidade de conhecer os primeiros líderes das suas vidas.
Política do estudante em primeiro lugar. O educando é o “cliente” por excelência. A educação, que abrange os processos formativos do homem, sugere que a escola deve adotar como política de que o estudante vem em primeiro lugar. Essa política, envolvendo professores e funcionários, é construída nas seguintes diretrizes: (i) professores e staff devem inspirar traços positivos de personalidade, tais como, perseverança, honestidade, respeito, legalidade, justiça, lealdade e paciência; (ii) professores devem tratar cada aluno com compaixão (sentimento de simpatia e disposição para minorar as dificuldades do aluno) e respeito, sem mostrar favoritismo ou preconceito; (iii) a confiança do educando não deve ser usada para ganho ou proveito pessoal; (iv) os professores devem buscar o bem-estar de seus alunos, a menos que uma situação exija envolvimento da administração escolar ou intervenção de órgão externo (polícia, conselho tutelar). Jovens educandos estão com circuitos cerebrais em formação, não tendo a experiência de adultos; eles são vulneráveis a ideologias extremistas. Esse cenário justifica a atitude da escola diante da “clientela” de educandos. Educadores e membros do staff devem claramente se comprometer com essas e outras políticas.
Prevenção e combate de irregularidades nas escolas e mediação de conflitos. O Guia CNMP 2014 destaca na “Apresentação” que “os dados relacionados à violência dentro e fora das escolas são bastante preocupantes e evidenciam que o respeito, fundamento da desejada convivência saudável, na prática vem sendo submetido a progressiva deterioração”. Para reverter esse cenário, um plano deve prever consequências para quem comete infrações. Impropriedades ou ilegalidades abrangem abuso e exploração sexual, desvio de verbas da merenda e transporte escolar no caso de estabelecimentos públicos, intimidação sistemática (bullying), tráfico e uso ou dependência de drogas, importunação sexual, porte de arma e de substâncias entorpecentes, atentado isolado contra a vida e todo tipo de violência e ataque à escola. A prevenção e combate exigem a adoção de mecanismos e ações adequados com foco em pessoas, processos e consequências; isso se organiza e implementa mediante políticas gerais e específicas formalizadas em códigos e planos. Na sua falta, o medo e a desconfiança podem minar a rotina das escolas. Diante de diagnósticos seguros, esforços devem buscar “meios para se fazer a capacitação dos alunos, colaboradores, professores e demais envolvidos na escola sobre assuntos ligados à solução alternativa de conflitos, tais como mediação, círculos de paz, práticas restaurativas etc.” (Guia CNMP, p. 13).
Métodos de resolução pacífica de conflitos devem se inspirar na melhoria dos vínculos das comunidades escolares, no exercício das habilidades de escuta e diálogo e das práticas restaurativas para reparação das relações e fortalecimento da cultura da paz. Entre os mecanismos, não pode faltar um canal de diálogo e intercâmbio de experiências. Não é suficiente o canal com a sociedade como o “Disque 100”. Para combater as violações é necessário um canal de denúncia (hotline) confiável, a fim de que as pessoas não tenham medo de retaliação, encorajando educadores, membros de staff e pessoas da comunidade a reportar malfeitos ou suspeitas de irregularidades.
Uma nova política pública é necessária para lidar com a complexidade do fenômeno da violência no ambiente escolar. As escolas não têm que aguardar pela melhor política pública. Elas têm autonomia para organizar a sua governança e gestão da maneira adequada para prevenir e enfrentar as irregularidades que perturbam as suas rotinas. Essa autonomia tem sido muito pouco usada para desenvolver e implementar programa de integridade escolar. Os ganhos na promoção da educação para a integridade são incalculáveis.
(Esta é uma versão resumida do texto original, a publicar com referências.)
Antonio Fonseca é advogado, membro do Conselho de Ética do IES, sócio da D&F Advocacia Empresarial (www.deliberador.adv.br) e conselheiro corporativo certificado.
* A opinião manifestada é de responsabilidade das autoras e não é, necessariamente, a opinião do IES