por Andrei Sposito
Embora transpareça niilista, escrevo esperançoso em prover uma certa dose de calma. No ponto de vista de quem cai incessantemente, visualizar o fundo do poço pode ser um alívio. Fake News é tão somente Novidade Mentirosa. Nessa perspectiva, as tais novidades são relatadas nos mais antigos veículos de comunicação. Na Bíblia, mesmo a serpente usou desse expediente para enganar Eva. Na Odisseia de Homero, o Cavalo de Tróia foi uma Fake News com sucesso midiático atemporal e sem fronteiras. Em outros meios e em toda a história, promessas baseadas em mentiras foram feitas para submeter jovens às guerras, opositores às fogueiras, desviar recursos de pobres para enriquecimento de poucos. Atualmente, não é possível acessar uma mídia qualquer, desde rádio às redes sociais, sem se deparar com alguma Fake News. No largo espectro das mentiras encontramos promessas de solução de problemas pessoais ou financeiros, vitaminas que nos tornam super-heróis e eternamente jovens, ou mesmo demônios e anjos que servirão de bússolas e estandartes na solução autoritária do caos social. Médicos criados nessa sopa de mentiras podem ter aprendido que mentir é legítimo para ganhar dinheiro e reputação. Muitos médicos com esse perfil trouxeram à tona uma séria instabilidade social motivada pela mentira: A quem se pode procurar ao ficar doente?
Onde tudo isso começou? Certo e errado são conceitos básicos aprendidos na primeira infância. A balança que pesa os custos dessa escolha, no entanto, evolui durante toda vida retroalimentada pela percepção das consequências morais, religiosas ou penais da escolha pelo errado. Mais importante, o limiar no espectro da mentira, aquele que define erro, progride com concessões sociais, reclassificando como toleráveis aquelas mentiras que não queremos abrir mão. Na atividade médica temos diversos exemplos com a relativização da mentira se infiltrou gerando sofrimento. Mentimos ao gerar expectativa de diagnóstico e tratamento nos encaminhamentos para sistemas de saúde frequentemente ineficazes e desmedidamente lentos. Sabemos todos que trombolíticos são medicamentos baratos, acessíveis e eficazes em reduzir o risco de morte após infarto do miocárdio. No entanto mentimos quando criamos dificuldades para os prover a milhares de pessoas em todo o país. Todos os dias, mentiras como estas matam e deixam sequelas físicas e mentais. Talvez essas não sejam Fake News, são mentiras amplamente conhecidas.
Para uma mentira dar certo é essencial que se ofereça o que outros desejam adquirir. Normalmente, pessoas desejam fugir da tensão que a vida os impõe, fugir do câncer, de infarto, de envelhecer, de ser preterido no emprego, na vida social, de perder sua autoestima. Essas pessoas não só compram mentiras porque não sabem que o são, mas principalmente, porque necessitam validar sua abstração das vicissitudes inerentes à vida. Buscam um alívio à realidade. Não é à toa que entre os falsos tratamentos mais comercializados estão aqueles denominados antienvelhecimento. Envelhecer causa medo e nos desafia, mas é fundamental como a própria vida. Acrescentem à força do medo, o poder excepcional de sedução que caracteriza os estelionatários. Estelionatário antipático morre de fome.
Sociedades Médicas têm tentado ao longo dos anos enfrentar criadores de Fake News com muito pouco êxito. Não é fácil atrair atenção apontando o que é verdade e destruindo fantasias. A sociedade civil e a imprensa também têm se manifestado alarmada pelas trágicas mortes em jovens medicados com anabolizantes e drogas para fins estéticos. Apesar disso, restam
aos milhares, as vítimas desses golpes que se atêm aos golpistas e saem em defesa destes por apego às fantasias e expectativas. Poderíamos esperar dessas pessoas angustiadas a rejeição à ilusão? Poderíamos culpá-los em crer em Fake News médicas e em se sujeitar ao risco e ao embuste? Claro que não.
A quem se deve culpar? Seria fantástico poder criminalizar todas e quaisquer mentiras capazes de ceifar vidas, mas isso incluiria ações praticadas por toda a sociedade seja pela ganância, pela imperícia ou pela indiferença. Não prover educação básica e saneamento conforme promessas eleitorais, por exemplo, reduz em vários anos a expectativa de vida. Mentiras realmente matam por uma infinidade de métodos. No meio médico, milhares de vidas podem estar sendo afetadas por esse hábito de mentir.
Como esse texto pode acalmar alguém? Um caminho bem definido pode ser um alento e nesse caso não há nenhuma novidade. Quando se trata de vidas, não se pode regulamentar em ato retroativo. Não se pode esperar que ocorram consequências trágicas com esses delitos para que se determine uma punição pelo erro. A mentira precisa ser prevenida e não só punida para que salve a vida de alguém. Nesse segmento das Fake News, será essencial fortalecer e fiscalizar a formação ética dos profissionais e fiscalizar seus atos com severidade. Formar mais médicos? Talvez, mas somente aqueles solidamente educados e bem fiscalizados. A reconquista dessa legitimidade é o único caminho para recuperar a expectativa da sociedade em encontrar num médico honestidade e dignidade em esclarecer, tratar e acolher.
Andrei Sposito é Professor Titular de Cardiologia da Unicamp e Diretor de Pesquisa da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP
* A opinião manifestada é de responsabilidade do autor e não é, necessariamente, a opinião do IES
Quem foi contra a cloroquina e promoveu não só que não se usasse (o que estava correto com as evidências do passado), como também uma caça às bruxas e assassinato de reputações (o que é vil e errado), vai se desculpar agora que surgem estudos mostrando que existe evidência e dados cientificos mostrando que ela é eficaz contra o covid ?
Ou só querem defender quem é do grupo dos amigos e nunca admitir que estão errados?
A ciência nunca irá crescer enquanto for torcida de times