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Compliance, um valioso instrumento em defesa do consumidor

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Por Roberta Densa e Cecília Dantas

 

1) O conceito de integridade e os pilares do compliance

O termo compliance deriva do inglês e pode ser traduzido para o vernáculo como conformidade. Leia-se conformidade não só com o ordenamento jurídico, mas também com os anseios de boas práticas advindos da empresa, do consumidor, da autorregulação do setor e da sociedade como um todo.

De acordo com o guia elaborado pelo Cade [1], define-se compliance como sendo “um conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores”.

Por meio dos programas de compliance, os agentes reforçam seu compromisso com os valores e objetivos ali explicitados, primordialmente com o cumprimento da legislação. Esse objetivo é bastante ambicioso e por isso mesmo ele requer não apenas a elaboração de uma série de procedimentos, mas também (e principalmente) uma mudança na cultura corporativa. O programa de compliance terá resultados positivos quando conseguir incutir nos colaboradores a importância em fazer a coisa certa.

Da estrutura inicialmente pensada para as questões relacionadas à anticorrupção, o compliance evoluiu e passou a ser pauta no mundo corporativo como um todo, trazendo eficácia às normas, tanto jurídicas quanto éticas, em virtude da crescente necessidade de se encontrar o seu efetivo cumprimento.

É através de programas efetivos de compliance que agentes privados se tornam aliados ao Estado, à medida que instigam uma cultura de ética e cumprimento da lei, desde a implantação de regras de conformidade de todas as operações da empresa, até o monitoramento de seu cumprimento e investigação de possíveis transgressões. Dessa forma, com a ascensão de uma cultura de exigibilidade de ética e conformidade dentro das empresas, o caminho da efetivação das normas jurídicas se faz mais certeiro.

Importante observar que os programas de compliance são baseados não só na valorização da autonomia privada como em pilares de efetivação do pensamento ético e da necessidade de se implantar uma cultura de integridade em todos os setores de uma empresa, desde sua administração, funcionários e prestadores de serviços.

De fato, a legislação sobre compliance vem ganhando forma no Brasil e no mundo. Ainda que de forma tardia, diversos órgãos do Estado vêm se preocupando com os programas de integridade como forma de cumprir os preceitos legais e éticos estabelecidos no ordenamento brasileiro.

 

2) Programa de compliance e as relações de consumo

Com bem pontua Fabíola Meira de Almeida[2], é possível afirmar que compliance envolvendo as relações empresa-cliente consubstancia-se na formação da política de boas práticas para o fim de implemento de efetivas melhorias no atendimento ao cliente, política corporativa para a garantia dos direitos do consumidor, redução de riscos e conflitos na relação de consumo.

Assim, o fornecedor não apenas revela a consumidores, mercado, órgãos de proteção e defesa do consumidor, Poder Judiciário e demais integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor o efetivo respeito e conformidade da empresa ao Código de Defesa do Consumidor, mas, principalmente, faz difundir e cumprir uma cultura empresarial de respeito regulatório no que se refere ao relacionamento com o consumidor.

De fato, a implantação de um programa de compliance nas empresas pode fortalecer a relação entre consumidores e fornecedores, fazendo com que os riscos, especialmente os riscos reputacionais, diminuam sensivelmente. Ademais, ao aplicar uma sanção administrativa, pode o órgão público analisar os termos de conduta e o esforço do fornecedor para cumprir as diretrizes.

 

3) Compliance e direito do consumidor: exemplo a partir das normas do Bacen

O setor bancário foi um dos primeiros a serem impactados pelas regras de compliance especialmente por razões relacionadas a lavagem de dinheiro, fraude e anticorrupção. No entanto, podemos citar pelo menos três resoluções do Banco Central do Brasil diretamente relacionadas a proteção e defesa do consumidor.

A Resolução 3.694/2009 do Bacen, utilizando-se do mencionado pilar de “análise de riscos”, trata da prevenção de riscos na contratação de operações e na prestação de serviços por parte de instituições financeiras.

Nela, além de proibir as instituições financeiras de recusar ou dificultar o atendimento através dos guichês de caixa, mesmo que o fornecedor, ainda determina que as instituições financeiras e demais entes autorizados, assegurem aos consumidores (clientes e usuários) a prestação de informações adequadas e claras; a confecção de contratos redigidos de forma clara e objetiva para compreensão dos consumidores; a adequação do serviço oferecido com as necessidades, interesses e objetivo dos consumidores; a possibilidade de cancelamento do contrato; entre outras.

Já na Resolução 4.539/2016, mais robusta do que a primeira, o Banco Central do Brasil estabeleceu normas relativas à elaboração e implementação de política institucional de relacionamento com os clientes e usuários.

Nela, o órgão estabelece princípios e parâmetros para a política de relacionamento com o cliente que devem conduzir “suas atividades com observância dos princípios de ética, responsabilidade, transparência e diligência, propiciando a convergência de interesses e a consolidação de imagem institucional de credibilidade, segurança e competência”.

Nesse sentido, são providências que devem ser tomadas pelo fornecedor de serviços bancários: 1) promover cultura organizacional que incentive relacionamento cooperativo e equilibrado entre clientes e usuários; 2) dispensar tratamento justo e equitativo entre clientes e usuários, com prestação de informações a clientes e usuários de forma clara e precisa, a respeito de produtos e serviços, além do atendimento a demanda dos consumidores de forma tempestiva e inexistência de barreiras, critérios ou processos desarrazoados para extinção da relação contratual; e 3) assegurar a conformidade e a legitimidade de produtos e serviços.

Além disso, as instituições financeiras devem elaborar e implementar a política de relacionamento de modo a consolidar diretrizes, objetivos estratégicos e valores organizacionais, devendo ser aprovada pelo conselho de administração ou pela diretoria da instituição; ter avaliação periódica; definir papeis e responsabilidades no âmbito da instituição; ser compatível com a natureza da instituição e com o perfil dos consumidores; deve prever programas de treinamento aos empregados e prestadores de serviço; devem prever a disseminação interna de suas disposições e ser formalizada em documento específico.

Avançando ainda mais no sentido de efetivação e aplicação dos princípios e normas definidos pelo Código de Defesa do Consumidor, o Banco Central do Brasil editou a Resolução 4.595/2017 para dispor sobre a política de conformidade das instituições financeiras.

Nela, o órgão regulador obriga as instituições financeiras a implementar e manter política de conformidade compatível com a natureza, o porte, a complexidade, a estrutura e o perfil de risco da instituição.

O artigo 5º da resolução determina que a política de conformidade defina, no mínimo, os seguintes parâmetros: 1) objetivo e escopo da função de conformidade; 2) divisão clara das responsabilidades das pessoas envolvidas na função de conformidade, de modo a evitar conflitos de interesse entre as áreas e negócios das instituições; 3) alocação de pessoal em quantidade suficiente, adequadamente treinado e com experiência necessária para exercer a função; 4) a posição, na estrutura organizacional da instituição, da unidade específica responsável pela função de conformidade; 5) as medidas necessárias para garantir a independência e adequada autoridade aos responsáveis por atividades relacionadas à função de conformidade; 6) alocação de recursos suficientes para o desempenho das funções; 7) livre acesso aos responsáveis por atividades relacionadas ao programa de integridade; 8) canais de comunicação com a diretoria, com o conselho de administração e com o comitê de auditoria; e 9) procedimentos para a coordenação das atividades relativas à função de conformidade com funções de gerenciamento de risco e com a auditoria interna.

Fácil notar que as normas do Banco Central têm por finalidade instituir uma verdadeira política de cumprimento efetivo das regras do Código de Consumidor, utilizando-se da estrutura e dos processos do sistema de conformidade para tanto. De fato, a observação dos pilares e do mecanismo do compliance podem ser importantes ferramentas para a harmonia das relações de consumo.

Aqui tratamos das normas do Bacen apenas a título exemplificativo, mas vale reforçar que a implantação do programa de compliance tornou-se obrigatória no setor não só para as questões relativas ao sistema anticorrupção, mas abordou expressamente a proteção e defesa do consumidor.

 

Notas conclusivas

Como visto, recomenda-se que os fornecedores utilizem a estrutura de compliance, que façam debates aprofundados sobre as políticas a serem implementadas para respeito aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da legislação correlata.

As vantagens são inúmeras, tanto para o consumidor quanto para o fornecedor. Em mercado altamente competitivo, discussões judiciais e administrativas em torno da defesa do consumidor podem se tornar caras e atingir a reputação da empresa frente aos consumidores.

Além disso, o gerenciamento dos riscos relativos à proteção e à defesa do consumidor torna, sem dúvidas, o fornecedor mais atrativo para investimentos, seja pela diminuição das ações judiciais, seja pela reputação da empresa perante o consumidor. Por meio de treinamentos dos seus funcionários ou terceirizados, adequada comunicação interna para a solução de problemas, excelência na gestão das reclamações com os clientes é possível minimizar os riscos e atender melhor ao consumidor, difundindo as boas práticas de atendimento.

 

Referências bibliográficas

CARVALHO, André Castro Carvalho. ALVIM, Tiago Cripa. BERTONCELLI, Rodrigo de Pinho. VENTURINI, Otavio. Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Edição do Kindle.

FILOMENO, José Geraldo Brito. BRESEGUELLO, Fabíola Meira de Almeida. Os 30 anos do código de defesa do consumidor: evolução e desafios no relacionamento com os clientes. Indaiatuba: Editora Foco, 2020.

NASCIMENTO, Victor Hugo Alcade do. Os desafios do compliance contemporâneo. Revista do Tribunais, vol. 1003/2019. p. 51 – 75, maio/2019.

OLIVA, Milena Donato; SILVA, Rodrigo da Guia. Origem e evolução histórica do compliance no direito brasileiro. In. Perspectivas e desafios dos programas de conformidade. FRAZÃO, Ana; CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Compliance: Perspectivas e desafios dos programas de conformidade. Edição do Kindle.

[1] Disponível em: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade (acesso em 12/1/2021).

[2] Compliance nas relações de consumo. In Coord. CARVALHO, André Castro Carvalho. ALVIM, Tiago Cripa. BERTONCELLI, Rodrigo de Pinho. VENTURINI, Otavio. Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Edição do Kindle.

 

Roberta Densa – Advogada. Professora e pesquisadora em Direito Civil e Direitos Difusos e Coletivos. Doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito das Obrigações, Contratos e Responsabilidade Civil. Editora Jurídica na Editora Foco.

Cecília Dantas – Advogada. Pesquisadora assistente em Direito Civil e Direitos Difusos e Coletivos. Especialista em Compliance Empresarial.

 

* A opinião manifestada é de responsabilidade das autoras e não é, necessariamente, a opinião do IES

 

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