Por Marlon Franco e Cibele Martins
É antigo o desejo humano de se expressar, de ser ouvido e de registrar os fatos marcantes da vida. Suas descobertas, suas conquistas, suas experiências físicas e mentais. Nossos ancestrais, na pré-história, desenvolveram as pinturas rupestres. Mais tarde, os egípcios inventaram os hieróglifos, para o registro de documentos. Povos primitivos utilizavam sinais de fumaça. Na idade média, os arautos anunciavam, em praças públicas, os decretos reais. Na Roma antiga, o desejo de interação social se estendeu para um desejo de representação. Os plebeus, por exemplo, conseguiram o direito de designar tribunos, líderes nomeados, exclusivamente, para providenciar proteção contra abusos dos governantes. Eles aplicavam suas forças para a oposição aos atos que agrediam os oprimidos e tinham poder de, com apenas uma única palavra, interromper a máquina do governo.
Nos tempos modernos, o avanço da tecnologia e a profusão de dispositivos conectados eletronicamente permitiram um número maior de recursos para comunicação, indicando, claramente, que a sociedade continua desejosa de, dentro de variados contextos, cada vez mais, se expressar, elogiando, criticando, informando e, até, denunciando situações que lhes pareçam afrontar suas concepções imediatas e conceitos pré-estabelecidos, por vezes territoriais, por vezes globais.
Com a profusão da informação, estabelece-se maior transparência, maior divulgação de fatos (mesmo que, às vezes não sejam fatos reais), e maior medo dos julgamentos alheios, dentro da moral e da ética estabelecidas como consenso nas sociedades.
O cenário brasileiro, sempre rico de cenas de escândalos e descortinamento de práticas ilegais, ou abusivas, nas esferas públicas e privadas, deve despertar em nós, cidadãos, um instinto de monitoramento – algo que estava inerte no modo de vida do brasileiro, seja pela falta da cultura do senso comum, seja pela omissão, causada pelo descrédito nos líderes de quaisquer naturezas. É imprescindível que observemos e que sejamos guardiões dos bons comportamentos.
A disponibilização de um canal de denúncias é um dos pilares para um ambiente ético na esfera corporativa e deve ser estruturado de maneira apropriada para essa finalidade. É uma obrigação, de todo cidadão, não omitir uma informação e utilizar esse canal de comunicação para inibir um grave desvio de conduta e, em alguns casos, crimes.
A Controladoria Geral da União – CGU1 divulgou no seu site algumas informações sobre conscientização da fraude:
– Esquemas fraudulentos geralmente ocorrem por um longo período antes da detecção;
– Muitos esquemas de fraude não são divulgados ou mesmo detectados;
– O verdadeiro custo da fraude é ainda maior do que apenas a perda de dinheiro, dado o seu impacto no tempo, na produtividade, na reputação e nos relacionamentos da empresa.
O canal de denúncias é uma ferramenta fundamental por ser, muitas vezes, a única fonte para se obter indícios de fraudes e desvios de conduta e, a partir daí, iniciar-se uma investigação.
Ele deve ser eficaz e ágil em todos os estágios do seu processo, na forma de acesso, recepção dos relatos, no tratamento e análise da informação, apuração dos fatos mantendo o sigilo e anonimato do denunciante (muito importante), retorno ao relator e nos seus resultados. Se o diálogo para os devidos esclarecimentos e ajustes não for suficiente, há a necessidade de prever penalidades.
Dan Ariely, no seu livro A mais pura verdade sobre a desonestidade (ARIELY:2012), explica a teoria do economista, Prêmio Nobel, Gary Becker, uma reflexão bem adequada sobre a relevância do tema deste artigo. A essência da teoria de Becker é que as decisões sobre honestidade, como a maioria das outras, baseiam-se em uma análise de custo-benefício, concluindo que há dois meios claros para tratar a desonestidade: aumentando a probabilidade de ser pego (como por exemplo, mais policiais, câmeras de vigilância) e aumentando o tamanho da punição das pessoas flagradas.
Alguns elementos culturais inibem o acesso ao canal, como medo de represália, estigma de “dedo-duro” e aquela sensação de que nada acontecerá de fato. Uma pesquisa feita em 2018 pela ICTS Gestão de Riscos Consultoria e Serviços (atual “Àliant”) sobre o perfil ético dos profissionais brasileiros revelou alguns dados:
A pesquisa apresentada demostrou que 48% dos entrevistados denunciam práticas não-íntegras a depender da circunstância, 12% não denunciam e 40% denunciam. Entre as razões apresentadas pelos profissionais que analisam o ambiente antes de denunciar, estão o medo de represália, a lealdade para com o chefe ou a equipe, os laços interpessoais e o medo de ser taxado de dedo duro. Estes aspectos indicam que a denúncia depende de um ambiente favorável para que aconteça.” 2
Este ano de 2023, a Àliant divulgou um novo estudo3 sobre a evolução dos Canais de Relatos no Brasil, no ambiente corporativo, e de 2018 a 2022, houve um aumento de 3,8 para 7,0 (relatos mensais por 1 mil colaboradores). Concluiu-se que os brasileiros estão mais corajosos, pois o número de relatos cresceu de forma expressiva, sendo considerado um recorde histórico e uma prova de que o canal é um instrumento de confiança dos colaboradores e stakeholders.
O estudo mostrou outros índices que também tiveram aumento e que contribuíram para o maior número de relatos, como: maior capacitação dos profissionais de compliance; aprimoramento das técnicas de apuração/ condução dos casos e compromisso no retorno aos relatores; aumento da relevância da agenda ESG e Compliance; ampla divulgação dos canais para além dos colaboradores, fornecedores, comunidade relacionada , terceiros e clientes; e fatos ocorridos no Brasil e no mundo, ligados a discriminação, assédio, corrupção, questões ambientais e sociais, diante dos quais a sociedade exige dispositivos eficazes de detecção e prevenção, e retorno rápido ao relator.
E, para finalizar, cabe destacar a relevância da instituição do comitê de ética, que tem papel essencial nas análises e decisões dos encaminhamentos sobre os processos decorrentes dos relatos ocorridos.
Um Canal de Denúncias auxilia, em muito, essa vigilância, como guardião da relação sociedade – empresas – estado – mundo, com os devidos cuidados para manter o respeito às leis e às normas éticas.
A omissão pode custar a vida de alguém.
1 Publicado no site www.cgu.gov.br. Acesso em 29 de outubro de 2018.
2 Publicado no site www.ethos.org.br. Acesso em 29 de outubro de 2018.
3 A Evolução dos Canais de Relatos no Brasil: A coragem no ambiente corporativo | 2023 by Marketing ICTS – Infogram Acesso em 28 de novembro de 2023.
Marlon Franco é assessor de compliance e Cibele Martins é secretária executiva do Instituto Ética Saúde
* A opinião manifestada é de responsabilidade dos autores e não é, necessariamente, a opinião do IES
Excelente artigo e excelente notícia, o aumento da utilização dos canais de denúncia.
esse comentario acima acabou saindo esse meu site desculpe, mais caso queira ser assinante