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Proteção de dados de criança em meio digital: análise dos riscos conforme a Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE)

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Por Roberta Densa e Cecília Dantas

 

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) é organização internacional que tem por objetivo constituir políticas públicas para melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, trabalha o estabelecimento de padrões internacionais baseados em evidências científicas e busca de soluções para os desafios sociais, econômicos e ambientais (1).

Em maio de 2011, o órgão publicou as primeiras diretrizes a respeito dos cuidados e das ferramentas relacionadas aos riscos do uso da internet por crianças e adolescentes, denominadas “The Protection of Children Online: risks faced by children online and policies to protect them” (2). Na mesma linha, em maio de 2020, o órgão emitiu novas diretrizes com o título “Protecting children online an overview of recent developments in legal frameworks and policies OCDE digital economy papers” (3).

O objetivo desse texto é trazer o mapeamento dos riscos relacionados aos dados de crianças e adolescentes conforme o documento.

 

Do mapeamento dos riscos

Para iniciar o estudo, a OCDE analisa as classificações de riscos que foram desenvolvidas por diversos órgãos internacionais que distinguem entre riscos relacionados a conteúdo nocivo e aqueles relacionados a interações nocivas e, grosso modo, classifica os riscos em três categorias: i) riscos de tecnologia na internet; ii) riscos relacionados ao consumo; e iii) privacidade da informação e riscos de segurança.

O risco relacionado à informações e dados pessoais diz respeito, justamente, ao compartilhamento de dados pessoais de crianças e adolescentes na internet. Nesse sentido, o documento afirma que as crianças são um grupo particularmente vulnerável, visto sua capacidade reduzida de prever perigos e consequências da exposição de suas informações no meio digital.

Conforme o estudo, as crianças correm riscos relacionados à privacidade das informações quando seus dados são coletados sem que percebam, através de cookies, ou ainda por meio da contratação de serviços on-line. Assim como o comportamento dos adultos, as crianças aprovam os termos de privacidade dos serviços on-line sem fazer a leitura (e compreender todos os seus termos), já que, muitas vezes, são longos e escritos em linguagem técnica o que os torna ainda mais difíceis de serem compreendidos pelas crianças.

Nesse sentido, os serviços on-line populares entre crianças quase sempre falham em oferecer procedimentos que assegurem aos pais as informações quanto ao tratamento dos dados de seus filhos, bem como em obter autorização expressa para tanto. Essa situação dificulta o controle dos pais no tratamento de dados dos filhos em meio digital.

 

Informação pessoal como commodity

As informações pessoais tornaram-se uma espécie de commodity no meio digital, e essa também é uma realidade para as crianças. O estudo trazido pela OCDE aponta que 95% (noventa e cinco por cento) dos adolescentes britânicos estão cientes desse fato e demonstram preocupação com as informações coletadas por websites. Além disso, ainda de acordo com o documento, de quarenta websites constantemente acessados por crianças, quase dois terços requerem dados pessoais para acesso e navegação (4).

Nesse contexto, algumas campanhas publicitárias, com objetivo de atingir o seu público-alvo, têm como forma de cativar as crianças o uso de jogos, questionários e outros conteúdos, que acabam coletando informações pessoais (da criança e de sua família), muitas vezes sem requerer o consentimento dos pais. A possibilidade de ganhar um prêmio ou receber conteúdo on-line gratuito é, muitas vezes, a motivação para que crianças forneçam seus dados.

Dessa forma, o documento ressalta a maior vulnerabilidade das crianças em fornecer seus dados em meio digital. Isso porque, diante da sua percepção ainda imatura sobre a vida, é extremamente difícil para elas

compreenderem a intenção comercial e os riscos nela envolvidos quando do fornecimento de dados pessoais (5).

Por conseguinte, o grande desafio nesse contexto é informar adequadamente tanto os pais quanto as crianças sobre o propósito e a extensão do uso desses dados, além de não permitir qualquer tipo de utilização de dados sem o conhecimento e a permissão dos pais ou responsáveis.

 

Compartilhamento de dados pessoais e socialização em meio online

Conforme o relatório da OCDE, estudos recentes apontam que crianças consideram os contextos da vida on-line e offline parte de uma mesma realidade: isso porque elas usam a internet primariamente como forma de socializar com pessoas que já conhecem pessoalmente, compreendendo o mundo on-line um espaço privado de atividade social entre seus pares.

Uma forma muito utilizada de compartilhar informações pessoais nessa faixa etária se dá por meio de mídias sociais, plataformas de blog e outros meios e aplicações comuns ao cotidiano. Através da postagem contendo informações, imagens e vídeos, essas crianças compartilham uma gama de informações, não só sobre elas, como também sobre seu meio social e sua família.

Nesse sentido, elas podem presumir, de forma incorreta, que todas as informações submetidas ao universo digital são restritas às pessoas imediatamente próximas a elas, sem contar com a possibilidade de ter seus dados compartilhados com uma imensidão de pessoas.

Dessa forma, existe o risco de crianças concederem informações on-line, o que pode colocá-las em situações de risco. Tal risco advém da sensação de pertencimento quando presentes nas redes sociais. Dados mostram que o uso dessas redes por jovens é cada dia menos cuidadoso e cresce aceleradamente (6).

Nesse contexto, estudos demonstram que, apesar de jovens acreditarem ter privacidade na vida on-line, um número grande deles compartilha, cada vez mais, suas informações pessoais nas redes. De acordo com dados

trazidos pelo estudo, entre 2000 e 2005 a porcentagem de jovens americanos que compartilha informações pessoais nas redes cresceu cerca de 24% (vinte e quatro por cento). Ainda nesse sentido, outro estudo americano concluiu que 81% (oitenta e um por cento) dos jovens inscritos na rede MySpace postavam com frequência fotos suas, e que, desses jovens, 93% (noventa e três por cento) indicavam sua cidade natal em tais postagens.

Ressalta-se ainda que, de acordo com informações do relatório da OCDE, apesar de muitas mídias sociais como Facebook, Bebo e MySpace requisitarem idade mínima (classificação etária) de 13 (treze) anos para o registro na rede, um número crescente de crianças abaixo dessa idade tem criado contas nas mencionadas redes.

Nesse sentido, a falsa sensação de privacidade que a opção de perfis fechados dá nessas redes sociais faz com que os jovens se sintam cada vez mais seguros para postar fotos, vídeos e informações pessoais. Esse fato também traz uma falsa sensação de segurança aos pais, já que 93% (noventa e três por cento) dos pais de crianças que utilizam essas redes estão cientes das referidas postagens.

Ressalta-se, nesse contexto, que as informações pessoais de usuários podem ser postadas por outras pessoas. Como exemplo, citamos as tags, que são marcações de outros indivíduos em fotos, vídeos e informações em perfis variados. Tal prática é comum entre jovens, e, na maior parte das vezes, não é necessária a permissão da pessoa “marcada” para que as informações apareçam em seu perfil (7).

Ainda nessa toada, importante destacar que o uso de informações e dados pessoais de crianças na internet pode também ser um risco em relação a terceiros com intenções criminosas. Segundo estudo trazido pela OCDE, em 2006 a Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos reportou 1.498 denúncias de vazamento de dados de pessoas menores de 18 (dezoito) anos; isso representa 2% de todas as ações criminosas envolvendo roubos de identidade naquele ano.

Destaca-se que os dados de crianças e adolescentes podem ser usados também como forma de conhecer os locais acessados por eles, dando informações a respeito de sua casa, escola e locais de lazer, não só por outros indivíduos com intenções maliciosas, mas também pelos próprios

websites, tais como Facebook, Google e outros, que utilizam essas informações para finalidades diversas. No caso do uso de celulares, tal fato pode ser ainda mais evidente, gerando o rastreio de todos os passos dados pela criança, sem qualquer limite em relação à sua privacidade.

 

Notas conclusivas

Tendo o Brasil sido convidado a integrar (8) a OCDE, é de extrema relevância que a fiquemos atentos aos estudos e orientações feitas pelo órgão. Trata-se de importante passo para que as políticas públicas brasileiras fiquem alinhadas aos países desenvolvidos e democráticos que integram o grupo.

Sem dúvidas, os riscos apresentados pelos estudo são reais e as crianças brasileiras estão expostas a eles (e outros) já que a realidade brasileira em termos de educação e conscientização da população pode ser diferente da dos países estudados.

Nota-se que, por outro lado, que a legislação brasileira tem avançado significativamente na proteção da criança em ambiente digital e que o Estatuto da Criança e do Adolescente traz regras e princípios úteis para enfrentar os desafios que as novas gerações hoje vivenciam.

Da mesma forma, o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados, o Código Penal, o Código de Defesa do Consumidor, bem como a autorregulação publicitária trazida pelo CONAR através do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, pode resolver boa parte das questões debatidas no relatório da OCDE.

 

__________

 

*O presente texto é um extrato do texto que foi publicado na obra “Infância, adolescência e tecnologia: o Estatuto da Criança e o Adolescente na sociedade da informação”, publicado pela Editora Foco.

1 Disponível aqui. Acesso: 31/10/2021.

2 OCDE (2011-05-02), “The Protection of Children Online: Risks Faced by Children Online and Policies to Protect Them”, OCDE Digital Economy Papers, No. 179, OCDE Publishing, Paris. Disponível aqui. Acesso: 31/10/2021.

3 Disponível aqui. Acesso: 31/10/2021.

4 Conforme o estudo, em 70%, é requerido o nome; em 53%, o endereço de e-mail; em 43%, a data de nascimento; em 40%, o código postal; em 24%, o endereço residencial; em 24%, o telefone celular.

5 O estudo cita pesquisa trazida pelo Escritório Australiano Comissário de Privacidade (Australian Office of the Privacy Commissioner) indicou que australianos jovens são mais suscetíveis em prover dados pessoais em detalhes em vista de receber algum desconto ou prêmio on-line.

6 De acordo com a pesquisa, o uso das redes sociais pelos adolescentes é bem conhecido pela sociedade atual. Em 2007, 51% dos adolescentes americanos criaram um perfil em alguma rede social e 21% fazem uso regular dessa plataforma. Nesse sentido, o número é maior entre meninas (69% de meninas contra 50% de meninos, com idade entre 15 e 17 anos). O uso de redes sociais aumenta conforme a criança cresce: 27% das crianças têm entre 8 e 11 anos, 55% têm entre 12 e 15 anos e 67% têm entre 16 e 17 anos.

7 Ainda nesse sentido, estudos comprovam que pouco mais de 40% dos jovens tiveram suas fotos postadas em perfis diversos sem sua permissão. Outro estudo revela ainda que 6% dos jovens reportam fotos embaraçosas postadas em redes sociais sem suas devidas permissões.

8 Disponível aqui.

 

Fonte disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-protecao-de-dados/367756/protecao-de-dados-de-crianca-em-meio-digital

 

Roberta Densa é Advogada em São Paulo. Doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Cecília Dantas é Advogada em São Paulo.

 

* A opinião manifestada é de responsabilidade dos autores e não é, necessariamente, a opinião do IES

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Garcêz
22 de agosto de 2024 14:43

Ótimo Estudo! sem dúvida nossas crianças estão exposta as novas tecnologias , redes sociais e muito mais, de fato e um risco.