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Compliance e Ética não são sinônimos

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Por Eduardo Winston Silva

 

Acredito que temos uma expectativa descalibrada acerca do “compliance”.

Compliance significa aderência às regras/normas estabelecidas e divulgadas. O pressuposto é que seria possível pensar, a priori, nas mais diversas situações inerentes as interações e, com base nisso, definir regras que ao serem seguidas promoveriam o bem-estar coletivo. Nada, portanto, deveria ser tácito, implícito ou meramente entendido. Aqui temos, na minha opinião, a primeira “inocência”.

Um sistema de compliance, por sua vez, é composto por mecanismos de checagem, controles e punições que, justamente pelo temor das consequências, induziria as pessoas a seguirem todas as normas validadas e divulgadas. Logo, além de normatizar acerca de absolutamente tudo, este sistema teria que ser capaz de fiscalizar todas as transações, julgar e punir infrações. Ora, qualquer reflexão à respeito levará à conclusão de que não é concebível estabelecer um código de regras que abarque todas as situações possíveis e, ainda que fosse, o tempo que levaria para escrever tal código, quando publicadas estariam defasadas.

Ademais, ainda que o mundo fosse estático, a capacidade de absorção e armazenagem necessária para que todos pudessem ter tal código conhecido na íntegra, memorizado e aplicado excede em muito a nossa capacidade.

Por fim, mesmo que uma geração de gênios surja e seja capaz de armazenar tudo de tudo, seria inocente acreditar que tal sistema obtivesse êxito, uma vez que nossos mecanismos cotidianos de decisão não seguem somente esta metodologia cartesiana de ponderação “risco x benefício”. Há outras alavancas em atuação e nossa racionalidade é violentamente limitada por percepções, sentimentos, temores, aprovação/rejeição de pares, amigos, colegas.

Por outro lado, sempre, em toda a história da humanidade, criamos códigos tácitos de conduta. Comportamentos que são aceitos, admirados ou reprovados. Não são fixos, se moldam constantemente e é normal que neste processo haja desestruturação e reestruturação. Isso vale desde a brincadeira dos meninos e meninas na infância até como se comportar em elevadores. Como comemos, dar presentes em aniversário, ajudar pessoas com dificuldades etc. Do respeito aos mortos, as condolências e até a caridade.

Esse grande código fluido e complexo de normas é o que podemos chamar de ética. Há uma “ética” para cada tempo e contexto, algo que não necessariamente está escrito, mas norteia um senso comum influenciando posicionamentos individuais de tal forma que estes acabam obedecendo certos padrões.

E na saúde? Haveria uma ética da saúde?

Claro que sim. Da mesma forma que existem dilemas éticos para os quais a avaliação de certo x errado, desejável x indesejável. Não é tão simples!

Você consegue imaginar um hospital fazendo um leilão junto às famílias de pacientes infartados para decidir quem receberá um stent? Uma farmácia, vendo um pai com seu filho convalescente, cobrar o valor exorbitante por um medicamento necessário para salvá-lo? Um médico em um avião se recusar a socorrer uma pessoa por que não estaria ganhando nada?

A resposta óbvia a estes questionamentos é que, independentemente da existência de leis que normatizem a atuação, tais práticas seriam antiéticas. De fato, podem até parecer questões absurdas, mas vejamos por outro ângulo, é certo que um hospital que invista nas mais modernas tecnologias e instalações cobre um valor maior por internações? É razoável imaginar que alguns medicamentos, que têm um custo elevadíssimo desde a pesquisa até a entrada em comercialização e muitas vezes atendem doenças raras, com pouco volume, tenham um preço maior do que outros cujo custos da pesquisa já estão amortizados e são utilizados em larga escala? Ou que, ainda que tenha feito um juramento, um médico não pode simplesmente passar todo seu tempo atendendo gratuitamente todos aqueles que precisam de socorro?

Claro que estamos falando de situações extremas, diametralmente opostas, mas definir com precisão, a priori, o que seria permitido ou não é difícil e na prática temos alguns dilemas.

Da mesma forma, se por um lado é fácil condenar (ainda que eticamente) atitudes como:

  • Venda de órgãos,
  • Fraude em reembolsos de despesas médicas,
  • Recusa à cobertura de serviços contratados,
  • Indicação de exames ou tratamentos baseados em ganhos do profissional que indica,
  • Utilização do poderio econômico para sufocar economicamente outros atores da cadeia,

 

Por outro, é extremamente difícil determinar o balanço entre autonomia médica e os custos de cada tratamento ou a agilidade no atendimento e a necessidade de averiguações. Parece razoável propor que, em um ambiente onde predomine a atuação ética (independente de checagens), seria possível dar mais autonomia e agilidade sem que isso representasse um aumento no risco de abusos e práticas oportunistas. Em outras palavras, nossos padrões de comportamentos são determinantes na qualidade do serviço que recebemos.

O trabalho do Instituto Ética Saúde é justamente ser o catalisador na promoção de padrões mais éticos que, consequentemente geram maior benefício para a coletividade. Claro que a atuação do Instituto, de maneira nenhuma se opõe à estruturação de sistemas de controle, monitoração e punição. Entendemos que estes mecanismos são fundamentais para o bom funcionamento do sistema e por isso apoiamos todas as iniciativas relacionadas. Porém, temos por certo que não são suficientes, devendo haver uma cultura de atuação ética.

A pergunta de ouro é: como podemos promover um ambiente cujos comportamentos sejam pautados por padrões éticos esperados? Não há resposta, mas pensadores (sim, há muita gente dedicada a estudar o tema) apontam alguns caminhos.

Há sociedades que conseguem ter ambientes mais éticos e o trabalho da Transparência Internacional mostra bem isso.

Uma vez que assumimos ser possível mudar, temos que pensar quais mecanismos são mais eficientes. Nada melhor que “sair às ruas” e olhar para nós mesmos. O que está fazendo as pessoas agirem de uma forma ou de outra? Veremos que são os mesmos mecanismos: vontade de ser aprovado, fazer parte, ser admirado, ter protagonismo.

Lendo sobre o Brasil (Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Roberto da Mata, Darcy Ribeiro, Raymundo Faoro, etc.) entenderemos como fatores como patrimonialismo, estamento burocrático, cordialidade, sexualidade (acredite!!!), personalismo, formalismo, o “sabe com quem está falando”, moldam nosso jeito de pensar e agir.
Veremos que o caminho mais promissor é a comunicação e a ferramenta das redes sociais é o que há de mais poderoso, pois elas democratizaram a comunicação. Como criar disso uma “corrente” de valorização daqueles comportamentos que estamos defendendo?

Penso ser essencial dar visibilidade a um enfermeiro que queira contar uma experiência, ou divulgar um pensamento, a um médico que queira contar sobre um dilema que enfrentou, um administrador hospitalar que compartilhe pensamentos sobre a ética na saúde, um vendedor de um distribuidor que queira dizer como balanceia as pressões por metas e vendas com limites éticos. É humanizar os dilemas éticos e expor as possibilidades e caminhos encontrados para seguir o pacto coletivo.

O compliance organiza, enquadra e muitas vezes engessa. A ética liberta.

 

Eduardo Winston Silva, é economista e presidente do Conselho de Administração do Instituto Ética Saúde

 

* A opinião manifestada é de responsabilidade do autor e não é, necessariamente, a opinião do IES

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