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As dores dos brasileiros

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Por Sérgio Madeira

 

Os efeitos diretos e devastadores da pandemia da Covid-19 para o planeta são mais do que conhecidos: mais de 6,4 milhões de mortes, recessão, falta de matéria prima, inflação e por aí vai. Como se não bastasse, existem ainda os efeitos indiretos. Na verdade, velhas práticas de maus profissionais que voltaram a chocar, indignar e que precisam ser evidenciadas.

Com a atenção totalmente voltada para o combate ao coronavírus e tratamento dos infectados, cirurgias foram canceladas, procedimentos e tratamentos médicos adiados – intencionalmente ou forçadamente -, consultas deixaram de acontecer. Consequentemente, profissionais deixaram de faturar. Infelizmente, o Instituto Ética Saúde tem recebido um número gigantesco de relatos de que pessoas da área da saúde querem recuperar o tempo perdido, ou melhor, o dinheiro perdido. Para isso, se utilizam de práticas indevidas.

Os exemplos que vou citar aqui referem-se a dois tipos de distorções: em procedimentos considerados de baixo custo, mas que ocorrem com alta frequência; e procedimentos de alto custo que ocorrem com menor frequência. Ambos comprometem igualmente a sustentabilidade do setor, preocupam e precisam ser combatidos.

Uma das denúncias refere-se a médicos da Bahia que estariam recebendo um percentual sobre o valor de materiais para tratamento de dor crônica, um kit com agulhas e cânulas para infiltração de medicamentos ou aplicação de radiofrequência. Segundo os relatos, as operadoras de saúde têm autorizado de três a quatro kits para cada tratamento, a um custo em torno de R$ 6.000,00 reais cada um. Pode ser na coluna, no joelho ou qualquer outra área onde exista uma dor crônica. Ou nem tão crônica assim.

Estes tratamentos minimamente invasivos teriam se tornado alternativas financeiramente sedutoras para médicos que, com a pandemia, tiveram reduzido o movimento com cirurgias e procedimentos maiores. E, através de “parceiras” com alguns fornecedores, estariam faturando com conduta antiética por excelência, já que as comissões estariam chegando a 50%. E a denúncia vai além, profissionais com outras especializações começaram a fazer cursos de bloqueio de nervos e passaram a usar largamente este tipo de produto, com que motivação?

Os dados sobre dor crônica no Brasil são escassos, mas encontramos alguns no portal do Ministério da Saúde – https://bvsms.saude.gov.br/dor-cronica/. A análise de 10 artigos recentes mostrou que a prevalência de dor crônica variou de 29,3 a 73,3%, tendo afetado mais mulheres do que homens, com maior incidência na região dorsal/lombar. Trazendo para números reais aproximados, estamos falando em pelo menos 60 milhões de pessoas. E se módicos 1% dos pacientes estiverem sendo tratados hoje? Nada desprezíveis 600 mil seres humanos. Fazendo um recorte grosseiro para a cidade de Salvador (2,9 milhões de habitantes), seriam 10 mil pessoas sendo tratadas.

Em outro cenário – também na Bahia, mas certamente não exclusivo daquele Estado –, procedimentos minimamente invasivos indicados para casos mais complexos, como lombalgia e falta de mobilidade nos membros inferiores, chegam a custar 50 vezes mais do que os valores praticados nos Estados Unidos ou Europa.

Nas denúncias que chegaram em nossas mãos, os relatórios técnicos contêm falhas gritantes, como a falta do sexo e idade dos pacientes. Uma coisa é o tratamento de uma pessoa de 30 ou 40 anos com um quadro de dor; outra é tratar alguém com 60 ou 70. Os documentos – que mais parecem uma peça de marketing para fazer propaganda do produto indicado no procedimento – pedem material a mais, material para prevenir intercorrências gravíssimas que não seriam possíveis de ocorrer naquele tipo de tratamento (como anticoagulantes e itens de cicatrização usados em cirurgias abertas. Lembrando que o procedimento aqui é minimamente invasivo), conjunto de materiais duplicados, cânulas de diversas naturezas e itens superfaturados. Custo final dos tratamentos indicados: mais de R$ 500 mil, cada.

O que vemos são procedimentos de mínima ou média gravidade apresentados de forma sensacionalista, com uso exagerado de materiais e com o único intuído de aumentar o valor de uma nota fiscal para gerar um faturamento grande, privilegiando o médico e o distribuidor.
É premente a análise de tais denúncias por parte de planos de saúde e Conselhos Regionais de Medicina. Remunerar alguém para indicar o seu produto é antiético. Receber “incentivos” para utilização discriminada de um produto também. Todo e qualquer tipo de ganho secundário, direto ou indireto, para que haja indução de demanda é errado e coloca em risco a saúde do paciente. O Instituto Ética Saúde censura tais práticas e luta diuturnamente para mudar a cultura de integridade no setor.

 

Sérgio Madeira é médico e diretor técnico do Instituto Ética Saúde

 

* A opinião manifestada é de responsabilidade do autor e não é, necessariamente, a opinião do IES

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